"Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra . . ."

"Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra . . ."
A advertência de Jesus sobre os tesouros terrestres não deve ser banalizada em uma proibição de contas bancárias, ou a mera possessão de qualquer coisa material. Esta admoestação não é para a questão de quanto dos bens deste mundo o cidadão do reino deveria possuir, mas diz respeito à sua atitude para com eles. Os "tesouros" deste texto são entendidos como sendo tudo aquilo em que um homem põe todo o seu coração. Não são só coisas a que damos valor, mas coisas que valorizamos acima de todas as demais. Nossos tesouros e nossas pessoas se tornam uma só coisa.
As observações de Jesus sobre a transitoriedade e a incerteza de tais coisas, como roupas, alimento e dinheiro, não constituíam novidade para seus ouvintes. O mundo dos dias de nosso Senhor era ainda mais visivelmente frágil do que o nosso. Em suas simples condições de vida, a podridão e o bolor, os insetos e os vermes atacavam seus armazéns com fúria, e suas paredes de adobe não ofereciam resistência aos ladrões, que podiam aniquilar uma vida inteira em uma noite. Nossa moderna refrigeração, bancos bem guardados e seguro contra desastres, nos levam freqüentemente a nos sentirmos seguramente afastados da inconstância do mundo antigo, mas todos nós deveríamos não acreditar. Todas as "coisas" são sujeitas, no final, à decomposição, não obstante o talento do homem. É impossível segurar a riqueza material contra a devastação do tempo e da circunstância. Ela é retirada de nós ou somos separados dela (Eclesiastes 6:13-15; Lucas 12:20), e se a tivéssemos para sempre, isso não nos traria satisfação duradoura (Eclesiastes 5:9-10; 6:7). Jesus pretende proteger-nos do horror de ver nossas vidas todas se desfazerem em fumaça (2 Pedro 3:10).
Não é preciso muito intelecto para ver que repousar a própria alma em tal insubstancial vapor é um ato de tolice, mas não devemos jamais subestimar o poder da cobiça para virar nosso senso comum em trêmula gelatina. Estamos vivendo numa época que avalia os homens pela riqueza que ajuntam. É loucura, naturalmente, mas este espírito pode infiltrar-se em nós antes que o saibamos e, subitamente, vemo-nos escavando insensatamente, em busca de "coisas" como todo mundo. O materialismo está destruindo muitos discípulos, alguns até quando estão "indo à igreja" fielmente. A charada continua, mas o coração deles não está mais nela. A prosperidade tornou-se a prova para nós que vivemos naquela que é, talvez, a mais rica sociedade da história humana, e esta prova é severa. Thomas Carlyle observou certa vez que, para cada dez homens que podem agüentar a adversidade, há um que pode suportar a prosperidade.
". . . mas ajuntai para vós outros tesouros no céu . . ." Esta não é uma exortação a que encontremos um modo de transferir as coisas que entesouramos na terra para um banco celestial. Se for, não há informação disponível de como fazê-lo. Uma vez, ouvi falar de um homem cujo amor a sua casa e a sua terra, juntamente com suas especulações milenaristas, o levaram a procurar um meio de garantir a devolução de sua propriedade, quando o Senhor vier para estabelecer seu reino na terra. Os tesouros do céu são totalmente de um tipo diferente daqueles que poderíamos acumular aqui.
A mensagem de Jesus é simples: "Aprende a apreciar as coisas do céu, as coisas que pertencem a vosso Pai. Somente estas durarão." Seu convite não é simplesmente a um tesouro melhor e mais durável, mas a uma total lealdade, um compromisso absoluto. Ter seu tesouro no céu significa, simplesmente, submeter-se completamente ao que está no céu: o domínio soberano de Deus ("faça-se a tua vontade . . ."). Este é o tema que continua nos versículos seguintes (6:22-24). A chave para o entendimento de todo este trecho é encontrada em 6:21: "onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração." O Senhor está muito mais preocupado com o que um homem faz com seu coração do que com o que ele faz com seus bens. As coisas não são nosso problema. Deus criou-as. A apreciação das coisas não é nosso problema. Elas têm um propósito dado por Deus. O amor pelas coisas, sim, é nosso problema (1 Timóteo 6:9-10): a disposição de permitir que algum lixo roído pelas traças tome o lugar do Deus incorruptível em nossos corações.
